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Entre Facas e Segredos nas entrelinhas


O filme indicado ao Oscar 2020 de Melhor Roteiro Original é um Murder Mystery à la Agatha Christie com uma boa dose de crítica social. O longa é escrito, produzido e dirigido por Rian Johnson, que também foi responsável por Star Wars: Os Últimos Jedi.

SINOPSE
Após uma reunião familiar algo dá errado e o patriarca da família, o romancista criminal Harlan Thrombey (Christopher Plummer), é encontrado morto. A princípio suspeita-se que seja suicídio, mas a atuação do detetive particular  Benoit Blanc (Daniel Craig), em uma clara referência a Hercule Poirot, leva a crer que possa ser um caso de assassinato.

Com um orçamento de US$ 40 milhões e uma receita de US$ 299.641.650, o filme é um sucesso de crítica e de público. Embora a princípio pareça ser somente mais um filme de mistério, a verdade é que conforme a narrativa vai se desenvolvendo compreende-se que não se trata de um mistério e sim um estudo sobre os próprios americanos.

SPOILERS

Logo nos primeiros momentos o assassino é revelado. Na verdade trata-se de uma série de erros com remédios efetuados pela enfermeira imigrante Marta (Ana de Armas), e que acabaram levando Harlan a tirar a própria vida a fim de protegê-la. O mistério acaba ficando por conta de quem contratou o detetive, já que essa pessoa pode desmascarar o plano. 

No meio de tudo isso Marta ainda é apontada como a total beneficiária da herança do falecido, o que levanta uma série de questões com a família deste, que não passa de um bando de sanguessugas e que acredita ter direito a alguma coisa única e exclusivamente em razão da hereditariedade. O golpe mais baixo ocorre quando os membros ameaçam denunciar a família da jovem, imigrantes, caso ela não entregue a herança. Vale notar o tratamento passivo agressivo direcionado a personagem de Ana de Armas, sempre digna de pena e palavras de incentivo, até o momento que o dinheiro fala mais alto.

Ao final é revelado que o personagem de Cris Evans, Hugh Ransom, foi o responsável pela série de erros ocorridos com os remédios de Harlan na noite de sua morte, o que o levou ao suicídio a fim de proteger Marta. É revelado ainda que matou Fran, a governanta, a fim de manter sua farsa e contratou o detetive para culpar Marta. O discurso final de Ransom (Evans) é claramente um posicionamento do diretor/roteirista contra as políticas contra imigrantes, além de ser uma crítica aos americanos que não estão dispostos a usar do próprio suor para conquistar algo, sempre confiantes que são hereditariamente credores da riqueza, mas só conseguindo chegar a algum lugar quando têm um empurrão milionário por trás. É uma crítica óbvia a meritocracia e a cultura do Self Made Man. 

Todos os filhos de Harlan só atingiram algum patamar na vida em razão de sua ajuda, seu dinheiro e influência, mas insistiam em dizer aos quatro ventos que eram bem sucedidos sozinhos, quando na verdade trata-se de uma riqueza construída em cima de uma riqueza. E o maior contraste chega quando eles mencionam a enfermeira. A cada menção a nacionalidade da jovem muda, uma vez que nenhum deles nunca teve o interesse de conhecê-la ou seu trabalho, aquela que estava dia e noite cuidado do pai deles. Todas as menções à jovem eram sempre referentes a sua condição de imigrante, mas no geral tida como uma invisível ou no máximo merecedora de uma ajudinha, mas nunca pertencente aquele meio.

No final foi a competência, trabalho e a ética da jovem que a tornaram merecedora da herança de Harlan, e principalmente, a ajudou a finalmente conquistar um espaço seguro naquele país. A cena final tem os familiares de Harlan no jardim da casa olhando Marta na sacada, um nível acima (financeiramente e eticamente) e a mesma segurando uma caneca com os dizeres My House.

Essa foi a lavada de alma que Rian Johnson decidiu fazer após toda a questão com imigrantes e uma crítica ao falso nacionalismo e sentimento de pertencimento. 







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